Monday, 9 September 2013






Um pouco de História...

O Parque Nacional do Bicuar foi criado no já longínquo ano de 1938, inicialmente como Reserva de Caça e passando depois a Parque Nacional em Dezembro de 1964. Foi seu criador o Dr. Armando Namorado Malacriz, médico veterinário, que nele passou parte dos seus últimos anos de vida. Tive o privilégio de o conhecer, em 1969, na minha primeira visita ao Bicuar.
Passado um período de abandono e de destruição dos recursos cinegéticos provocados pela guerra, o Parque foi alvo de intervenção do Executivo Angolano, pela mão do então Vice-Ministro do Urbanismo e Ambiente, Dr. Mota Liz, que em 2008 veio lançar as bases da sua recuperação, contando com o apoio do então Governador da Huíla, Sr. Ramos da Cruz e confiando desde então e em boa hora a sua administração ao Sr. José Maria Kandungo(*), que se mantém até hoje à frente dos destinos do Bicuar. Estava em implementação a Estratégia Nacional sobre a Biodiversidade aprovada em 2006.



Do abandono completo à situação actual muito se fez em apenas 4 anos, muito se investiu em esforço, em meios, em instalações e sobretudo no controlo da caça furtiva que de uma forma persistente e abusiva invadiu por anos a fio a área do parque, dela fazendo coutada privada de caça, dizimando animais de todas as espécies (que nalguns casos chegaram quase aos 100% de taxa de eliminação), sem qualquer respeito por um património que é de todos e que importa preservar para as gerações futuras. Protegiam-se ali espécies únicas, como o rinoceronte, o búfalo negro e o mabeco, entretanto quase exterminadas noutras partes do País. O búfalo negro (Syncerus caffer caffer), a principal referência do Bicuar e a razão essencial da criação do Parque, está actualmente extinto no Parque, embora de raro em raro se refiram algumas passagens ou avistamento de um ou outro exemplar, possivelmente fugido da Mupa, um antigo parque do outro lado do Cunene e ainda hoje transformado em terreno de caça aberta. Não há conhecimento de qualquer fixação de búfalos no Bicuar, o que seria facilmente detectado pelos rastos ou excrementos, sendo este, além disso, um animal gregário que se junta em manadas de até 1000 exemplares, como as que conheci, em 1972, nos Tandos de Marromeu em Moçambique.

O rinoceronte (Diceros Bicornis), que se tentou proteger no Bicuar em 1969 com espécimes trazidos do Luiana, não existe mais no Parque, havendo ainda segundo parece, alguns exemplares na Mupa, mas em risco crítico de extinção. 





Estas informações, que urge confirmar, parecem contrariar o estado oficial de extinção que foi declarado em Novembro de 2011 em relação à espécie ocidental do rinoceronte negro (Diceros Bicornis Longipes), a subespécie angolana. Não é preciso referir a importância que pode ter esta confirmação, incumbindo o seu rastreio e detecção a uma equipa especializada e que à semelhança do que foi feito com a Palanca Real, permita elaborar um relatório urgente sobre a possibilidade de encontrar alguns animais vivos.
O mabeco (Lycaon Pictus), em particular, é outra espécie de enorme importância, já que se encontra praticamente extinto em muitas zonas da África subsaariana, onde se encontra o seu habitat por excelência.

Segundo parece não há mabecos no Krueger Park da África do Sul, não há mabecos em Moçambique, não há mabecos na Tanzânia e no Quénia e mesmo em Angola há quem os considere já de uma grande raridade. Pois, para nossa satisfação e enorme responsabilidade, há várias matilhas de mabecos no Bicuar e face às condições de rápido declínio da espécie há que tomar desde já medidas urgentes para proteger adequadamente e fazer desenvolver esses grupos (estima-se um máximo de 120 a 150 animais) que ainda se encontram no Parque. Deverá de imediato proceder-se ao cadastro dos animais existentes, marcar os líderes dos vários grupos com chips que permitam o rastreio por GPS de modo a acompanhar a cada momento a vida e proliferação das matilhas, recolher amostras de sangue para avaliar o perigo da consanguinidade (que pode provocar a rápida extinção dos animais), bem como identificar qualquer forma de moléstias ou epidemias de que os mesmos padeçam. Tendo em atenção as condições adversas a que resistiram, poderia pensar-se que a Natureza teria seleccionado os melhores e portanto estaria assegurada a sua sobrevivência, mas em boa verdade se não forem asseguradas as melhores condições, estes últimos animais conhecidos encaminham-se rapidamente para a extinção, pois o número não é tão grande que possa minimizar o risco de consanguinidade. Daí o nosso apelo de urgência, pedindo desde aqui a melhor atenção das entidades competentes. É preciso actuar imediatamente de modo a salvaguardar para o futuro, e em liberdade, os mabecos no Bicuar, o mesmo será dizer em Angola.

Em concreto e em resultado do esforço já despendido, o Bicuar dispõe de uma estrutura regular de mais de 75 guardas (dos quais 4 graduados com o curso de ranger, obtido no Parque da Quiçama), distribuídos pelos 10 portões de entrada instalados nas vias principais de acesso ao longo da periferia do parque, que asseguram condições de protecção aos animais, controlando as entradas, patrulhando e reparando as picadas, seguindo rastos, identificando as manadas, garantindo a manutenção de um ambiente não perturbado que tranquiliza os animais e os atrai em números sempre crescentes.
Estão portanto garantidas desde já as condições indispensáveis para a protecção dos animais, devendo passar-se imediatamente à fase seguinte que consiste em promover o repovoamento das espécies mais ameaçadas, fazendo transportar para o Bicuar, animais oriundos de outros locais onde não é possível por ora assegurar a sua protecção e sobrevivência. Sem confirmação pessoal e apenas baseado nas indicações dos guardas do Parque com quem conversei, haverá ainda alguns rinocerontes vivos na Mupa, e inclusivamente girafas (o que sinceramente seria uma grata surpresa, pois não me parece possível) além de outros animais que poderiam ser capturados e transferidos para o Bicuar onde há espaço, há condições naturais e sobretudo protecção.


Não sendo muito abundantes ainda, devido ao enorme desbaste produzido pela guerra e pelas acções furtivas, é já possível apreciar no Parque, nos dias de hoje, pequenas manadas de graciosas palancas, de olongos, gungas (uma raridade até há bem pouco tempo), facocheros e os inestimáveis elefantes, que voltaram ao Bicuar depois de dele andarem afastados durante décadas. Para além disso avistam-se sem dificuldade as cabras do mato, os bâmbis, gazelas ou impalas, a que se associam os habituais predadores, a onça, a hiena malhada, o mabeco e mesmo segundo me foi garantido o leão.


Estamos perante uma riqueza de valor incalculável e uma responsabilidade enorme, não só perante o nosso País, Angola, mas perante o Mundo que espera de nós respostas adequadas e imediatas para resolver problemas que estão dentro das nossas competências e capacidades. Acredito sem dificuldade que é possível promover a trasfega de animais que se encontram ameaçados em zonas onde eles se encontram assinalados, para o Parque do Bicuar onde existem condições de preservação e de segurança para garantir a sua continuidade. A partir dali, e após os devidos cuidados, poderia partir toda a tarefa imensa de repovoar os parques de Angola (Iona, Mupa, Cameia, Luando, Luengue, Longa-Mavinga e outros) com espécies sãs, geneticamente equilibradas e em número suficiente para relançar as espécies. É preciso envolver as universidades, para que se debrucem sobre o assunto, propondo soluções que assegurem o estudo e acompanhamento dos trabalhos que são indispensáveis no terreno para promover essa transferência e o desenvolvimento futuro das manadas em prol da sobrevivência das espécies. É necessário que os alunos de Biologia, de Veterinária mas também de Enga Ambiental (mas não só estes, claro) sejam sensibilizados para a preservação de um património riquíssimo que não podemos deixar degradar. 

page6image18416  

No comments:

Post a Comment